O Comer – crônica I
Às vezes fico
me perguntando se mais pessoas possuem um mundo paralelo como eu.
Quero deixar
bem claro, que isto não tem nada a ver com bipolaridade.
Resolvi que
tenho coisa demais guardada dentro da minha cabeça e preciso de alguma forma
compartilhá-la, colocar pra fora, afinal, sinto que meu “HD interno” está
ficando sem espaço.
São anos de
pensamentos, idéias e para alguns, maluquices, e pior ainda, para muitos falta de
religiosidade.
Maluco ou não,
descrente ou não, esse é o meu mundo. E nele, imagino e questiono o que eu bem
entender.
No meu mundo
existem Ets (portanto, discos voadores), pessoas invisíveis, muita magia e
seres mágicos, acontecimentos sobrenaturais, humanos bem mais evoluídos, máquina
do tempo, discordância do óbvio.
Por exemplo,
vamos pegar um “pequeno” fato da discordância do óbvio: o comer.
Você já parou
pra pensar quanto tempo você perde para se alimentar? E para preparar o
alimento? E pra fazer a digestão? Isso tudo demora muito! Ah! E não se esqueça
da quantidade de mastigadas que você tem que realizar para ter uma boa
digestão.
Não seria
muito mais simples e muito mais evoluído se não precisássemos comer. Até a
estrutura do nosso corpo seria mais simples, quantos músculos, sistemas, órgãos
não precisariam mais fazer parte de nós. Nosso corpo seria mais leve, mais
puro.
Se realmente fôssemos evoluídos,
conseguiríamos produzir nossa própria energia, dentro de nosso eu, dentro de
nosso mais profundo saber.
As horas de
almoço no trabalho não seriam mais horas de almoço, mas sim horas de cultura e
lazer. Quantas coisas interessantes poderíamos fazer com essas horas!
Os
tradicionais almoços de família de domingo seriam brincadeiras em família!
Você já
imaginou não ter que gastar com Buffet na festa de casamento? O bolso agradece!
Não haveria
obesidade ou alguns problemas de saúde ligados diretamente ao comer, como:
anemia, gastrite, refluxo, intoxicação alimentar, prisão de ventre, entre mil
outras coisas. Ah! E para os futuros papais, vontade de grávida às três da
manhã, nunca mais!
Os animais não
precisariam mais ficar em cativeiro e serem mortos para saciar a nossa egoísta
fome. As florestas não precisariam mais ser devastadas para fazerem pastos.
A fome não
seria mais um tópico no índice de mortalidade de um país.
Então, não
seria bem mais simples se não precisássemos comer?
No meu mundo
seria. E no seu?
Ufa! - crônica II
Se há uma coisa que pode me trazer risco é minha
imaginação. Principalmente quando estou caminhando. Meu pensamento voa tão
longe, que não é estranho ouvir, de vez em quando, uma buzina ao atravessar uma
rua qualquer.
Porém, desta vez a coisa foi um pouco mais séria, eu
não estava caminhando...eu estava dirigindo! Para minha sorte, meu devaneio
aconteceu durante uma parada em um semáforo.
O sinal ficou vermelho, fui parando o carro e logo
veio aquele pensamento típico: “Humpf...por pouco não pego o sinal
verde...". Então, comecei a observar o céu daquele fim de tarde
ensolarado.
O céu estava pintado de um azul claro, porém
imponente, as nuvens decoravam a cena com seu branco suave, ao longe podia se
ver o contorno de um morro marrom desbotado onde o verde escuro da vegetação o
cobria parcialmente.
Comecei a me sentir tão bem com aquela cena, uma
felicidade e um alívio imediato cobriram a minha mente.
Você deve estar se perguntando o porquê do alívio,
não é mesmo?! Bem, fiquei imaginando se a situação fosse outra; e se o céu não
pudesse mais ser daquele jeito que eu estava contemplando? E se o mundo
estivesse passando por um momento de destruição, próximo ao seu fim, em que não
haveria mais dia, somente noite.
E se algum tipo de radiação tivesse alterado a cor do
céu e em vez de azul ele estivesse vermelho. Vermelho?! Imaginem um céu
vermelho, acho que seria cansativo para a vista, ou então roxo? Não, não, seria
enjoativo de ser ver.
Fiquei pensando se as outras cores seriam realmente
irritantes para os nossos olhos ou se já estamos condicionados ao azul, onde
nenhuma outra cor seria aplicável?
Que tal um céu vermelho, nuvens verdes, sol roxo e
morros amarelos? Argh! Acho que não.
Enfim, o semáforo abriu seu verde sorridente,
interrompendo meu pensamento. Foi quando parti dali com um sentimento de imensa
felicidade, dando uma última olhada naquela harmoniosa e perfeita combinação de
cores que se formava ao meu redor: o céu continuava azul, as nuvens brancas, o
sol brilhava seu amarelo radiante e o morro continuava lá, desenhando o
horizonte com seu marrom desbotado.
Ufa! Com um sorriso nos lábios falei para mim mesma
com convicção: "O céu está azul!"
Poção Mágica - crônica III
Existe um elemento muito especial, eu diria mágico, que existe não só no meu mundo, mas no mundo de todos vocês.
Considero-o como uma poção mágica, que cura, tranqüiliza, nos envolve, nos sacia.
Porém,
veja só que
curioso pensar que temos uma substância tão importante, mas ela não tem forma, não tem cheiro, não tem cor, sequer conseguimos
pegá-la,
e no entanto ela está em toda parte, inclusive na composição insignificante de nossa
massa corpórea.
Contudo, ela é tão especialmente misteriosa, que
pode também se
manifestar em estado gasoso ou sólido.
Acho que vocês ainda não entenderam o quão mágico é a Água, pegue duas moléculas de hidrogênio, junte com uma de oxigênio e voilà! A poção está feita.
Imaginem um ser extraterrestre
que vivesse em um planeta sem água, digamos que ele nunca viu tal substância até aterrissar seu disco voador
na beira de um rio.
Seus grandes olhos negros
brilham ao ver tamanha imensidão daquilo, então, ele arrisca-se a tocar tal substância com seus dedos compridos
e magros.
- Não consigo pegar! Meus
dedos atravessam essa "coisa"! - pensa ele.
A curiosidade toma conta de
sua mente e ele começa a mergulhar parte de seu pé em tal substância mágica, agora o outro pé. A sensação é inexplicável, sentiu algo muito
envolvente acariciando suas canelas. Não contente, começou a avançar na imensidão daquele rio até ficar imerso pela cintura. Suas mãos brincavam de um lado para o
outro naquele misterioso elemento.
- O que será isso? Para que serve? Por que
me sinto tão
bem?
Então, avançou um pouco mais, até ficar apenas com sua cabeça à mostra.
- Irresistível! - pensou. Começando a sentir tamanha leveza e
satisfação de
estar ali, quase submerso naquela agradável magia, sem forma, sem cheiro.
Não foi possível prever, quando se deu conta
já estava com a cabeça mergulhada na imensidão daquele elemento.
Talvez o êxtase de estar naquela situação de liberdade o tenha feito
morrer ali mesmo, talvez não, afinal como saber se um ser extraterreno possue um pulmão, o qual não poderia ser preenchido de
tal magia. Talvez, tenha vivido e voltado para contar aos outros. Talvez seja
por isso que, de vez em quando, podemos ver luzes brilhando no céu, talvez sejam eles,
procurando...procurando pela poção mágica, a qual estupidamente ignoramos sua importância por estarmos ocupados
demais em nosso consumo desenfreado.
Talvez, talvez...
Quando eu era criança - crônica IV
Faz alguns dias, eu recebi uma
foto de quando eu era criança, nem sabia da existência de tal imagem registrada para ser contemplada somente
agora.
Ao ver uma única imagem de mim mesma,
senti como se tivesse voltado no tempo. O cheiro de como eram as coisas, as
sensações
de que sentia, os pensamentos que pensava, os sonhos que sonhava, a inocência que vivia.
Parece que um cenário começou a se desenhar ao meu redor:
não havia tantos carros
transitando pelo asfalto, não havia tantas placas e letreiros luminosos chamando para o
consumo, não
havia tanta parafernália espalhada pela casa, até as roupas pareciam ser mais
práticas,
as crianças se
vestiam como crianças e os adultos como adultos.
Primeiro queria ser pintora de
quadros, depois arqueóloga, também apresentadora de programa infantil, pensando melhor,
estilista ou quem sabe cantora, porém a gente vai crescendo e se esquece de tais desejos e
anseios tão
presentes em nossa infância.
Computador, notebook, tv de
led, plasma, câmera
digital, de quantos megapixels?! Celular com acesso a internet, sem acesso a
internet, com um, dois, três chips, mp3, 4, 5, 10! Vídeo game sensível ao movimento, com leitor
blue-ray, home theather, sem se esquecer do surround, opa! Tem que ter adaptação para IPod, IPad, IPhone...Aí meu Deus!
Não. Não tinha nada disso, lembro da
TV de tubo com conversor e pole, o meu eterno som três em um, meu sempre
companheiro walkman. Telefone?! Aquele com fio, que voce encaixava o dedo no
buraco correspondente ao número que se queria discar, rodando sentido horário o disco de plástico.
Os muros estão crescendo cada vez mais, as
grades estão se
fechando cada vez mais, os arranha-céus estão cutucando as núvens cada vez mais...nuvens? Céu? Quase não dá mais pra vê-los. Aonde eles estão? Acho que consigo ver um
pedacinho do azul, por trás daquele condomínio de torres imponentes.
Manhê! Me faz um suco?! Humm, vamos
ver...liqüidificador,
mix, multiprocessador, espremedor...pensando melhor, deixa pra lá.
Que tal algo pra comer?!
Claro! Fogão
embutido, de inox, com quatro, cinco, seis bocas, não! Forno de microondas, forno
elétrico,
panela elétrica...pensando
bem, deixa pra lá.
Existe tudo pra consertar
tudo, tudo pra guardar tudo, tudo pra limpar tudo, só não esqueça de deixar um cantinho pra
mim, é pra
mim, para que eu possa ficar dentro de minha própria casa, disputando com o
TUDO.
Da minha janela - crônica V
Faz 22 anos, desde que eu me mudei para
esta casa, que vejo pela mesma janela a vida lá fora.
A janela não mudou muito desde que
eu estou por aqui, a cor continua a mesma, um branco que já foi repintado pelo
menos umas duas vezes, os vidros já não tem todos os adesivos que tinham quando
eu era criança, muito deles eu mesma retirei e joguei fora, parece que hoje em
dia não é mais costume colar adesivos na janela, mas naquela época parecia ser
bem legal.
A tela permanece da mesma forma, com
uma moldura de madeira branca, se quiser eu posso removê-la, pois não é fixa. Não
me lembro quando ou o porquê, mas coloquei um crucifixo pendurado na fechadura e
há um tempo ele ganhou uma companheira, uma fitinha do Senhor do Bonfim que
recebi de presente.
Para adornar a janela, a cortina que
no início era um painel de quatro partes com fundo bege e tiras vinho, agora é
de tecido com um eficiente “blackout” branco.
Mas existe uma coisa que mudou e continua mudando a cada ano:
a vista.
Já tive tantas vistas de minha
janela, que acompanharam tantos pensamentos...
No começo não havia tantos prédios,
ou melhor, quase nenhum. Podia se ver as luzes da represa à noite, o primeiro
hipermercado que se erguia na cidade, o horizonte.
Na minha janela já esperei amores que
nunca vieram, já vi paqueras que nem sabiam de minha existência sorrateira a
observar. Já vi carros sendo roubados, motos derrapando, pessoas rindo e
falando alto, o vizinho ensinando a filha como colocar o carro na garagem, o
governador do Estado inaugurando mais uma de suas promessas, casas de vizinhos
que se foram, casas de vizinhos que chegaram.
Antes podia ver a casa da esquina
com o seu pequeno jardim e às vezes aquela simpática senhora cuidando das
flores, mas a vida é traiçoeira, seu marido se foi e logo após ela também, e a
casa...bem...essa foi ao chão, dando lugar ao que hoje vejo: um prédio
comercial verde de dois andares.
Da minha janela eu vi amigos
acionando a buzina anunciando a chegada, o tão aguardado namorado virando a
esquina, o céu encoberto de nuvens cinzentas, a chuva se derramando torrencial,
a enxurrada desbravando a rua com muita presteza, o céu iluminado vezes pelo
sol, vezes pelo flash dos relâmpagos.
Da minha janela eu vi o menino que
brincava de bola, hoje fumando um cigarro preguiçoso; a menina que brincava de
boneca, hoje empurrando um carrinho de bebê.
Da minha janela eu vi o antigo se
acabar dando lugar ao novo.
Da
minha janela eu vi...da minha janela eu vejo...da minha janela eu ainda
verei...
Olhos de Fogo - Sonho I
O apartamento era pequeno:
sala, quarto, cozinha e banheiro. As paredes eram cinza claro, combinando com
um cinza mais escuro das portas de madeira, tudo muito simples.
Não havia muitos móveis. Ao entrar, o que parecia
o espaço
reservado para uma sala estava vazio, não prestei muita atenção no chão, mas era cinza também.
À esquerda havia duas portas, a
primeira, que encontrava-se em frente a sala, estava aberta, o que parecia ser
a cozinha, mas não me
atentei ao que havia lá dentro, nada de mais, talvez uma mesa pequena bege, uma
pia e uma pequena mureta separando o ambiente. A outra porta adiante estava
fechada, supondo-se que seria o banheiro, porém, não cheguei a verificar.
À direita havia um cômodo, que deveria ser um
quarto, no entanto, havia uma tv no canto e sofás bege por todo perímetro.
Ao passar pela porta de
entrada fui adentrando a sala vazia, não estava só, havia um homem comigo, porém, sem feições definidas, sabia que era do
sexo masculino e estranhamente estava ali para me proteger.
Havia outras pessoas no
apartamento, amigos, talvez uns quatro ou cinco, mas não reconheci ninguém, só sei que eram meus amigos,
meus e de meu misterioso protetor.
Foi então que eu o vi, de pé, encostado na parede entre a
sala e o quarto, a figura parecia uma mistura de homem com tigre, isso mesmo,
corpo de homem e cabeça de tigre. Corpo magro e cabeça um pouco desproporcional ao
tronco, digamos que era um pouco grande para aquele corpo.
Olhei para ele que me retribui
o olhar como se me conhecesse e confiasse em mim, somente em mim e em mais
ninguém,
nem mesmo no meu protetor sem feições que insistia em ficar ao meu lado.
Fiquei um pouco receosa, pois
eu também o
conhecia, conhecia sim, e sabia que era perigoso sua presença ali. Ele era uma criatura de
fácil irritação, se ele se irritasse com
algo, com alguma conversa, que não precisaria ser a respeito dele, mas com qualquer outro
assunto que não o
agradasse, o branco de seus olhos serviriam como um termômetro, quanto mais a raiva e a
irritação tomasse
conta dele, o branco daria lugar, gradualmente, ao vermelho fogo e então, ninguém poderia segurá-lo...ele devoraria qualquer
um que estivesse ao seu redor e seu corpo humano automaticamente se
transformaria em tigre, para compor a perfeita combinação com sua cabeça animal.
Os amigos resolveram se sentar
no quarto aonde tinha a TV, todos nós nos espalhamos pelos sofás bege. O homem-tigre
sentou-se ao lado da TV, que passava um programa qualquer, eu me sentei ao lado
dele para tentar acalmá-lo de uma possível irritação. Meu protetor sentou logo ao meu lado, foi quando pude
decifrar suas feições e
reconhecê-lo,
era meu namorado, com sua mão segurando a minha e com uma expressão de cautela, pois ele também sabia do que a criatura
sentada ao meu lado era capaz.
Tentei puxar um assunto banal
para distrair a atenção da criatura, ele me olhava com desconfiança, mas respondeu a algumas de
minhas perguntas. Em seus olhos, já levemente avermelhados, era nítido o desconforto de estar
naquele lugar cercado de humanos.
As pessoas conversavam de
diversos assuntos, percebi que alguma conversa atraiu a atenção do homem-tigre, desesperada
por dentro, percebi que ele não havia gostado de alguma coisa e seus olhos começaram a se inflamar.
Meu namorado apertou mais
forte minha mão e
pediu para eu ter cuidado, pois devíamos sair dali, no entanto, não dei ouvidos a ele, pois eu
precisava tentar acalmar a criatura que estava prestes a explodir.
Peguei no braço ainda humano da criatura,
ela virou sua cabeça de tigre em minha direção e pude perceber olhando em
seus olhos, já
quase tomados em sua totalidade pelo fogo, que apesar de sua raiva, ele lutava
contra sua irritabilidade para não fazer mal àquelas pessoas.
Então, foi ali que eu pude sentir
uma esperança de
poder acalmá-lo.
Os amigos continuavam a
tagarelar e davam risadas, eles não o conheciam, não tinham a menor idéia do que estava prestes a acontecer.
Alguém soltou uma risada enaltecida,
o reflexo da criatura àquela risada foi imediato, olhei para ele e não queria acreditar que era
tarde demais. Meu protetor/namorado começou a me puxar, tentando me convencer a sair imediatamente
daquele quarto, não
havia mais jeito, ele puxou com mais força fazendo-me levantar do sofá, ainda assim, consegui me
virar para o homem-tigre, ele me encarou e eu pude ver, refletido nos seus
olhos em brasa, um pedido de perdão.
Foi nesse momento que seu
corpo se metamorfoseou deixando de lado sua metade humana, só pude ouvir meu namorado em
desespero pedindo para eu fechar a porta do quarto enquanto nós saímos em disparada para fora do
apartamento, descendo as escadas que formavam um grande espiral. Lá dentro, o grito das pessoas,
sendo devoradas pela misteriosa criatura com olhos de fogo, foi substituído pelo sentimento de fracasso
que senti ao acordar.
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